quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Cabeça do Marqueteiro ou a Política do Esvaziamento


Resenha do livro A Cabeça do Eleitor, de Alberto Carlos Almeida

A começar pelo título, Alberto Carlos Almeida é presunçoso. A Cabeça do Eleitor é o tipo de livro condenado, senão ao fracasso, ao simplismo. Já em seu subtítulo (Estratégia de Campanha, pesquisa e vitória eleitoral), vê-se aonde a obra quer chegar, e de que parâmetros parte. A redução da política ao marketing eleitoral – ou eleitoreiro, como queiram –, e a supressão das ideologias através do pensamento único midiático endossam e são o mote do livro

Não surpreende, ademais, que Alberto Carlos tenha escrito outra obra nos mesmos ditames. Seu livro A Cabeça do Brasileiro traça um perfil do brasileiro, concluindo que a elite é mais progressista, menos estatizante e, por outro lado, de acordo com o raciocínio de Almeida, as camadas “baixas da população” têm menos contribuição a dar ao país, além de serem afeitos ao jeitinho.

Não seria possível, assim, compreender os motivos e a lógica de A Cabeça do Eleitor sem ao menos conhecer a tese engendrada por Almeida em seu A Cabeça do Brasileiro que, de preconceituoso, dá vazão ao rebaixamento teórico, já que o livro tem por base da análise pesquisas de opinião feitas sobre o que pensa o brasileiro em diversos assuntos. Não que as pesquisas sejam desprezíveis, mas ao torná-las únicas ferramentas de análise, como se fossem espelhos de realidade, afastam o debate em torno de questões de importâncias sociológicas, histórica.

Eis, então, que se deve perguntar como alguém compreenderá o modo com que o brasileiro vota sem o arcabouço teórico legado por tantos autores que contribuíram para o aprofundamento do debate acerca da sociedade da brasileira. O simplismo de A Cabeça do Eleitor atenta contra a fina análise de pensadores como Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Hollanda, Darcy Ribeiro, entre outros, que ousaram pensar o Brasil sob outros matizes. Alberto Carlos Almeida ignora toda a sociologia ao propor uma lógica elementar por parte do eleitor. A ausência destes autores na bibliografia é reveladora.

Já pelas características explicitadas acima, A Cabeça do Eleitor demonstra que seu trabalho estará voltado não ao encorajamento do debate na sociedade brasileira, mas para consolidar o modo de fazer política como mercadoria. É cada vez mais visível que as campanhas eleitorais têm sido tomadas pela lógica do marketing, sendo a escolha do marqueteiro por parte dos políticos, aspecto fundamental da vitória eleitoral. A figura quixotesca do Kassabinho não deixa mentir.

Na toada do mercado, Almeida não se furta em comparar um político a uma mercadoria, tal qual uma bolacha, um refrigerante. “Quando o consumidor compra um produto, ele sabe o que está comprando. (...) O mesmo vale para os políticos”. Segue outro trecho: “Essa estratégia [consolidar votos entre os eleitores que já conhecem determinado candidato] é equivalente à famosa regra do marketing (...): é mais fácil aumentar a quantidade vendida de um cliente que já compra de você”.

Trechos assim parecem legitimar o esquecimento completo da política. Definitivamente, não parecem demasiado abstratas as análises do filósofo italiano Giorgio Agamben, a dizer que a política foi alçada a condição de peça de museu, e que sua destaxidermização – já que ela sofreu do empalhamento - põe-se como o grande desafio das próximas gerações.

Contudo, e a despeito das críticas e ao modo torto com que o autor possa imaginar a política, faz-se necessário avaliar que o livro tem dois momentos distintos. Os três primeiros capítulos tratam da estratégia de campanha, do modo com que Almeida imagina a lógica do eleitor. O segundo momento, do capítulo quatro ao oito, trata das pesquisas eleitorais, desde sua preparação até o momento de sua realização (trabalho de campo).

Assim, no primeiro momento, de fato o mais importante, Almeida desanca seu proselitismo, sua tese de que a elite seja progressista. Não pesa sobre ele o fato de que a elite seja responsável pela situação precária do trabalhador brasileiro, e menos que suas nada virtuosas políticas de desmonte do Estado sejam traumáticas para o País.

Mas é claro. Não pesa sobre Almeida, pois, apesar de defender em sua obra que as pesquisas de opinião sejam objetos neutros e dotados de isenção, ele prega a não-intervenção do Estado nos assuntos do mercado, o que não deixa de ser um posicionamento ideológico (neoliberal): “Se um instituto de pesquisa formula erradamente um questionário (...) esse instituto deve ser punido pelo mercado (...)”.  

Foi esta mesma retórica, a que de o Estado seja o mal necessário, daí a necessidade de enxugá-lo, aliás, que patrocinou a fanfarra das privatizações no Brasil. E os tempos atuais são pródigos para o lembrete: a falácia do Estado mínimo soçobra ao ver o que causou a desregulamentação desenfreada da economia, capitaneada por Thatcher e Reagan. 

De todos os problemas do livro, há uma ressalva a fazer. Almeida conhece bem os procedimentos de uma pesquisa eleitoral, tendo ele mesmo coordenado algumas. Por conhecer, avalia os pontos fracos de uma pesquisa, como o fraseado de suas perguntas, a que o autor diz modificar a resposta do eleitor. Ele sugere que a imprensa revele a que perguntas foram submetidos os pesquisados. Algo razoável.

Contudo, são poucos os momentos em que o autor levanta novos questionamentos.  O debate fica à margem, girando em torno de como ganhar uma eleição através do marketing, ou dele se utilizando. Almeida consente a lógica do mercado. Quanto à do eleitor, não é revelada. Sua suposta revelação é uma tentativa forçosa de estabelecer, cada vez mais, como parâmetro político a trapaça das técnicas eleitorais da publicidade. 

Neste sentido, a descrição da contracapa do livro nos é exemplar: A Cabeça do Eleitor, “do mesmo autor de Por que Lula?, que explica como vencer as eleições”. Não explica, porém, como vencer a desigualdade social, ou mesmo a razão de seu aprofundamento. Talvez resida aí, na disparidade entre classes, a grande questão do País. Lógica do eleitor? Não. Eleitor é cidadão, sujeito a Constituição. Não consumidor, sujeito ao Procon.

3 comentários:

Ester disse...

Oi Luiz!
Acabei d visitar seu blog pela primeira vez e achei muito boa a resenha desse livro. Fiquei com vontade d lê-lo, não por achar q deva ser bom, pq vc, com sua resenha, me convenceu q é uma merda, mas para entender a mente de um marketeiro e compreender melhor como eles agem durante uma eleição...é isso
By the way, vc escreve muito bem, sucesso nesta nova empreitada!
Abs

Luiz Henrique Mendes disse...

Obrigado, Ester. Amanhã, sexta-feira, tem post novo. Se quiser o livro te empresto.

João Villaverde disse...

Falar da cabeça do brasileiro sem citar - e provavelmente sem conhecer - Darcy Ribeiro é jogar fora qualquer relevância. A resenha é certeira, Luiz. O Alberto Carlos não é um pensador, mas um sintoma dos tempos modernos: o marketing é o fim da política. E a aceitação social dessa história é consequência de um processo histórico - lento, subterrâneo, forçoso - que é colocado de cima para baixo.
O fato de ser sintoma revela bem nossa situação: ele é lido e aprovado pelos nossos "pensadores".
Ótimo texto. Um abraço